Analisamos comportamentos a todo instante. No processo judicial, a apreciação do comportamento das partes, por parte do julgador, é inevitável. Contudo, além dessa avaliação, o magistrado poderá utilizá-la como meio probatório para fundamentar decisões.
Vejamos alguns exemplos.
Primeiro exemplo — Há processos conexos, com partes idênticas. No primeiro, o comportamento do réu é “X” em relação às provas; no segundo, esse mesmo réu adota postura “Y”, diametralmente oposta — ou, ao menos, contraditória — nos aspectos fáticos e probatórios. Pergunta-se: poderá o julgador, ao avaliar tal conduta, utilizá-la como fundamento probatório?
Segundo exemplo — Em ação indenizatória, o réu adota determinada postura diante dos fatos e das provas. Contudo, após o trânsito em julgado da decisão, ajuíza ação rescisória, apresentando comportamento totalmente contraditório. Poderá o magistrado, ao julgar a rescisória, considerar essa contradição como elemento probatório?
Terceiro exemplo — Este, aliás, motivou a redação do presente artigo. Em ação de produção antecipada de provas (CPC, artigo 381), a parte autora requer a realização de perícia e oitiva de testemunhas. A parte ré, entretanto, nada requer. Seguem-se a perícia (sem quesitos ou impugnações do réu) e as oitivas (novamente, sem qualquer participação da parte adversa). Encerrada a ação, o autor aproveita o material produzido e o junta a um processo declaratório posterior. Nesse novo processo, o réu alega, por exemplo, nulidade da prova por cerceamento de defesa, despreparo técnico do perito, incompletude dos esclarecimentos periciais e necessidade de nova oitiva de testemunhas. Poderá o juiz, diante de tamanha contradição, indeferir a dilação probatória? Penso que sim.[1]
Para prosseguir, é necessário destacar algo importante: este artigo não trata da “responsabilidade das partes por dano processual” (CPC, artigos 79 e seguintes), tampouco de condutas enquadradas como “ato atentatório à dignidade da justiça” (CPC, artigo 774). Esses institutos se referem à má-fé processual. O foco aqui é outro: trata-se do comportamento da parte como meio de prova — tema autônomo, complexo e, não raras vezes, polêmico.
A análise do comportamento das partes recebeu, inclusive, respaldo legal com a Lei nº 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica), que alterou o Código Civil e incluiu o seguinte dispositivo:
“Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. § 1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que: I – for confirmado pelo comportamento das partes posterior à celebração do negócio.”
No mesmo sentido, o Código Civil dispõe (artigo 231) que “aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa” e (artigo 232) que “a recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame”.
Portanto, o comportamento pode ser avaliado tanto por atos comissivos (condutas contraditórias) quanto por omissivos (inércia que não pode beneficiar a parte).
É comum a análise do comportamento das partes
É relativamente comum a análise do comportamento das partes pelo julgador após os fatos que demandam prova (acidente, assinatura de contrato, conflito etc.). Por exemplo: o réu invade a via preferencial e colide com outro veículo — esse é o fato a ser provado. No dia seguinte, porém, tenta alterar a cena do acidente mascarando os danos em seu automóvel. Esse comportamento, embora extrajudicial, é comumente analisado como meio de prova (com testemunhas, vídeos, fotos e afins).
Contudo, aqui se pretende destacar outro aspecto: o comportamento dentro do processo, especificamente em matéria probatória. Suponha-se, a título ilustrativo, que o réu alegue, em contestação, possuir um álibi e, portanto, não ser o condutor. Mais adiante, afirma que era ele quem dirigia, mas que não avançou a preferência. Ao final, muda novamente a versão: sustenta que o autor estava na contramão. Ora, além de eventual má-fé, há aí um comportamento processual contraditório — não seria isso, também, um meio de prova? Uma prova atípica?
Penso que sim. Tal conduta constitui elemento probatório, que poderá ser considerado pelo julgador como prova atípica, a ser confirmada por outros meios de convencimento. Em outras palavras, a análise do comportamento das partes pode, sim, fundamentar a decisão judicial (CPC, artigo 369).
Comportamento da parte como elemento probatório
Em breve síntese, o comportamento da parte pode e deve ser considerado objetivamente como meio de prova.[2] Essa análise, contudo, deve pautar-se por critérios estritamente objetivos: impressões pessoais ou conhecimentos extraprocessuais não se prestam à formação da prova[3]. Além disso, o exercício legítimo dos meios de defesa — como o direito de recorrer — não pode ser interpretado como conduta contraditória ou prejudicial à parte.
Em tempo, destaco que a reflexão a ser proposta é se o comportamento da parte é, de fato, uma prova atípica, a ser tratada como tal, ou se constitui mera obiter dictum no âmbito da fundamentação do contexto geral da decisão (CPC, artigo 489, §1º, e artigo 11). Vejo, nesse ponto, um risco: com frequência, o comportamento da parte fica sujeito ao subjetivismo do julgador e não transparece na decisão — insinua-se, por exemplo, que o réu faltou com a verdade, sem que isso seja objetivamente explicitado; ou, então, a conduta é mencionada apenas de forma superficial (obiter dictum), mesmo sendo fator determinante para a conclusão do julgador.
Ademais, sob a ótica da prova atípica, essa conduta pode permitir uma análise mais lógica, acessível e controlável por todos os interessados. Com isso, evita-se tanto o subjetivismo do julgador — sempre perigoso — quanto a menção superficial da conduta como mera obiter dictum, o que também compromete a devida fundamentação.
Em tempo, parte dois e final: comportamento não é necessariamente uma atitude (comissiva ou omissiva) processual — é algo distinto. Questão processual é, por exemplo, o “manifesto propósito protelatório da parte” (CPC, artigo 311, I). Podemos compreender que agir de forma protelatória é um aspecto processual que poderá ensejar a tutela de evidência. Embora, em alguns momentos, a linha entre os institutos possa parecer tênue, comportamento processual é diferente do comportamento da parte — que envolve, como aqui se abordou, uma gama mais ampla de implicações [4].
________________________________________
[1] FUGA, Bruno Augusto Sampaio. Produção antecipada da prova: procedimento adequado para a máxima eficácia e estabilidade / Bruno Augusto Sampaio Fuga. – 2. ed. rev. atual. e ampl. — Londrina, PR: Thoth, 2025.
[2] Ver mais sobre o tema em FUGA, Bruno Augusto Sampaio. Produção antecipada da prova: procedimento adequado para a máxima eficácia e estabilidade / Bruno Augusto Sampaio Fuga. – 2. ed. rev. atual. e ampl. — Londrina, PR: Thoth, 2025.
Sobre comportamentos que são deveres, ver: RIBEIRO, Darci Guimarães. Provas atípicas / Darci Guimarães Ribeiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.
[3] CAMBI, Eduardo. Conduta processual das partes (e de seus procuradores) como meio de prova e a teoria narrativista do Direito. Revista de Doutrina TRF 4. Dez / 2013. Assim também: LOPES, Rodolfo. A prova pessoal na era das novas tecnologias: prova e valoração. Londrina: Thoth, 2022, p. 220.
[4] Pretendo, em textos futuros, aprofundar a análise do tema — aqui tratado em formato de artigo, com naturais limitações de espaço. Trata-se, a meu ver, de uma distinção sutil em alguns momentos, mas de grande relevância no campo da prova processual.